Emília Vieira: muitos PPR em Portugal são “miseráveis e não deviam existir"

Emília Vieira: muitos PPR em Portugal são “miseráveis e não deviam existir"
Foto: Casa de Investimentos (D.R.)

O Estado devia proteger os cidadãos face a uma indústria financeira que comercializa PPR e outras aplicações que não remuneram devidamente as poupanças, defendeu a CEO da Casa de Investimentos, numa entrevista que me concedeu em fevereiro de 2024.

Entrevista realizada em conjunto com o jornalista Tomás Gonçalves Pereira e publicada em fevereiro de 2024 no Jornal Económico.

A CEO da Casa de Investimentos, Emília Vieira, defende que muitos dos Planos Poupança Reforma (PPR) que existem em Portugal não deviam existir, porque não remuneram devidamente os seus clientes.

”Temos cerca de 600 PPR em Portugal e muitos são miseráveis, não deviam existir”, defendeu a fundadora da Casa de Investimentos no encontro anual da instituição, em fevereiro de 2024, que juntou cerca de 900 pessoas em Braga. Emília Vieira acrescentou que muitos PPR não existem em prol dos seus clientes mas sim das instituições financeiras e que o Estado devia proteger os cidadãos. E frisou que o grande problema do país nesta área é a falta de literacia financeira.

“As pessoas negoceiam o spread da casa mas depois não tentam encontrar melhores condições numa área tão importante como a poupança para a reforma”, lamentou. “Vivemos num país que tem mais de 50 mil milhões alocados em produtos de seguradoras, incluindo PPR, que não rendem mais do que 1,5 por cento ao ano”, realçou. “Temos de investir a sério na literacia financeira. Na Europa estamos atrás apenas da Roménia”, afirmou a CEO.

A Casa de Investimentos tem o seu próprio PPR, o Save and Grow, que investe em ações de acordo com a filosofia do investimento em valor, que valorizou 47 por cento desde o lançamento, em 2021. Segundo os dados da Funds People, foi mesmo o instrumento que mais valorizou em Portugal em 2023, liderando a classe de risco 5, a mais elevada, com um retorno de 33,88%.

A título de comparação, a média simples dos cinco fundos com maior rentabilidade na classe mais elevada de risco em 2023 foi de 22,38%. Na classe abaixo, o instrumento com maior rentabilidade, o PPR BiG Acções Estratégico, do BIG, chegou a 16,62%.

Questionada sobre porque deve um cliente investir num produto composto por ações escolhidas por gestores e não num ETF de um índice, Emília Vieira citou Warren Buffet:  “Porque connosco aprendem muito mais”.

Começo por lhe pedir que nos fale do encontro que a Casa de Investimentos realiza todos os anos e que será será já este sábado, portanto amanhã, e que vai juntar algumas centenas de pessoas. 
Vamos ter mais de 900 pessoas, 900 clientes e alguns amigos da casa e vai ser no Altice Fórum Braga. Esta é uma assembleia anual de clientes. No fundo, é um pouco inspirada no encontro anual da Berkshire, do senhor Warren Buffett.

A ideia é, portanto, democratizar o investimento em ações de acordo com a filosofia do investimento em valor seguida há muitos anos por Buffet e outros investidores.
A Casa, entre 2010 e 2020, geria Patrimónios Individuais em Contas de gestão individual a partir de 100 mil euros. Obviamente que desde o início era um um sonho que tinha era poder ajudar a democratizar o acesso a uma boa filosofia de investimento, a melhor rentabilidade, às pessoas terem conhecimento, perceberem melhor o que fazer com o dinheiro, como se proteger, como negociar melhor, como proteger o seu dinheiro do comissionamento excessivo que o sistema financeiro continua a praticar. E por isso ter uma filosofia de investimento acessível à poupança mais pequena para nós era essencial e por isso nós obtivemos junto à CMVM a licença para ser gestora de fundos e em 2020 lançamos um fundo em formato PPR. Na verdade, tem um conjunto de benefícios fiscais que são muito atrativos, embora as pessoas olhem muito no início para aquilo que é a dedução à coleta. Para nós, o grande benefício é, de facto, à saída e não à entrada. Porque se tivermos investidos oito ou mais anos, o imposto sobre mais valias cai de 28 para 8,6% ou 8% na idade da reforma.

Portanto o cliente tem de manter a aplicação por oito anos, no mínimo, para ter essa vantagem fiscal?
Exatamente. E é o que faz sentido, porque efetivamente, no nosso caso, o nosso PPR é um PPR 100% ações e, portanto, o investimento em ações é muito seguro quando fazemos a longo prazo. Obviamente que se for feito para o mês ou para meio ano ou para um ano, é extremamente arriscado e por isso não fazia para nós sentido nem é isso que queremos fazer, porque ninguém acrescenta valor a um ano. (...)Tal como Buffett, nós achamos que é preferível ter um negócio excecional comprado a um preço razoável do que ter um negócio razoável comprado a um preço excecional. E a Casa tem se dado muito bem com isto. E o ano passado, aliás, a nossa rentabilidade, quer no fundo PPR, quer na gestão discricionária, foi de quase 34%, também a recuperar naturalmente de um ano de quedas, mas o PPR foi o melhor PPR em Portugal, quase 4% acima do seguinte.

Qual é o benchmark do mercado neste momento?
Neste momento, nós compararmo-nos sobretudo com o MSCI World e, neste momento, nós, embora no ano passado tenha tenhamos tido uma rentabilidade muito acima do mercado, desde a criação do fundo, estamos ainda abaixo do índice. Obviamente não temos a preocupação de seguir o índice no curto prazo. O que nos interessa e aquilo para que trabalhamos é que num período alargado e quando falo de um período alargado, estaremos a falar aqui de cinco, dez anos, possamos ter rentabilidades superiores ao índice. Nós procuramos que o comissionamento seja sensato e sendo um fundo 100% ações, é dos mais baratos no cômputo geral das suas comissões. Comissão de gestão e todos os custos, desde regulação, o custodiante, custos de transação e até a auditoria do fundo, tudo isto é na classe Founders 1,47 e na classe Prime... Nós temos duas classes, a classe Founders é aberta, com 250 mil euros ou mais e a classe Prime a partir de mil euros. Também muito com a ideia de tornar esta classe muito acessível a toda a gente. Praticamente toda a gente pode efetivamente abrir uma conta PPR. É acessível a toda a gente.

Tem havido um aumento do número de participantes das vossas assembleias?
Muito grande, estamos este ano mais ou menos com o dobro das pessoas do ano passado e sobretudo este evento foi criado, que foi o que eu não completei há pouco, com a ideia de prestar contas aos clientes. E enquanto que, na primeira fase da Casa, quando abríamos as contas iguais ou superiores a 100 mil euros, havia uma reunião, uma explicação da filosofia de investimento, do processo de análise, da análise profunda que fazemos aos títulos, de como tomamos as decisões de risco de gestão das posições. A partir do momento que temos mil, 2 mil, 3 mil e, neste caso, 6.600 clientes, nós não estamos... este é um negócio sobretudo online, que nos chega cá através da plataforma Save and grow, onde os clientes fazem o seu processo de abertura de conta.


O contexto de inflação alta e das pessoas terem poucas alternativas de poupança que paguem acima da inflação ajudou a isso?
O ano, de facto, nós tivemos muita gente a entrar com contas mais pequenas e são muito bem vindas na mesma. O que é importante é começar a poupar. Entraram mais de 2.500 clientes mas sobretudo, para nós, o ponto relevante é... o fundo praticamente duplicou em ativos sob gestão, mas também muito pela valorização dos ativos. Com a boa gestão que fazemos, tivemos naturalmente reforços e tivemos uma coisa que também é um número muito, muito interessante para usar, que me traz muita pena por um lado, mas que me deixa otimista por outro, que é a transferência de PPRs. Nós recebemos, até ao final do ano passado, 1.500 PPR transferidos de outras instituições. Este é um número grande que devia ter relevo na comunicação social: 45% dos PPRs que nos foram transferidos o ano passado, vindo de outras instituições financeiras, ou seja 45% dos clientes quando cá chegou o dinheiro tinham menos do que aquilo que depositaram nessas instituições. Tinham menos do que aquilo que investiram! Repito, pessoas que estiveram investidas 15, 20 anos, 23 anos, 29 anos. A minha questão é: há 21 mil milhões investidos em PPRs [em Portugal] e a maior parte das pessoas está a perder dinheiro neles. Mas pior. Não é só não ter rentabilidade abaixo da inflação, porque isso estão todos, estiveram todos. Nos últimos dez anos, a média está abaixo de 1%. Tiveram todos, ou praticamente todos, rentabilidade abaixo da inflação. O que é extraordinariamente grave, completamente inaceitável, é que alguém tenha um PPR 23 anos e que quando vai levantá-lo e transferi-lo, como foram 45% dos que cá chegaram, tem menos dinheiro do que depositou nesse PPR. Isto não é aceitável. Não é assim que se trata a poupança das pessoas.

Porque é que acha que isso acontece?
Isso acontece porque as políticas de investimento estão erradas e porque as comissões de gestão para os ativos em que investem são caras demais. Ou seja, nos últimos anos, os PPRs estiveram a pagar comissões às instituições financeiras. Os PPRs estiveram apenas a dar dinheiro a quem geriu e quem poupou dinheiro, quem fez o esforço de poupar, quem o pôs lá, perdeu dinheiro. Isto aconteceu em 45% dos que foram transferidos o ano passado. Os que foram transferidos em 2021 já têm uma perda muito menor. Porquê? Porque não apanharam os piores anos das obrigações. Porque estas instituições, porque os portugueses acham que têm que ser conservadores a investir. A definição de conservador é nós operarmos hoje com o conhecimento que tínhamos de um tempo mais antigo. O mundo mudou e nós tivemos 14 anos de taxas zero ou quase zero e durante este período os PPRs não tiveram remuneração, mas as empresas financeiras, os bancos, as seguradoras tiveram as comissões exatamente iguais e ainda há comissões acima de 2%, que em obrigações é absolutamente indecente.

O que sugere que deve acontecer?
Vamos olhar para o seguinte: hoje a média de PPR em Portugal tem nove mil euros. Nove mil euros não é complemento de reforma para ninguém quando imaginamos que daqui a 15 ou 20 anos as pessoas se vão reformar com 43% do seu salário, como diz a OCDE, não é complemento nenhum. Portanto, é mesmo relevante que haja decência por parte das instituições financeiras em gerir o dinheiro. E atenção. A política conservadora não conserva coisa nenhuma e nós, obviamente, acho difícil voltarmos a taxas zero. Mas também não vejo as taxas estarem muito acima dos níveis a que estamos para os próximos dez anos. Ou seja, as pessoas vão continuar a ter um rendimento miserável nestas aplicações, o que é pena. Porque, repare, se nós olharmos para alguém que abre um PPR com 5 ou 10 mil euros, que todos os meses lá consegue por 100 euros, ou 150 ou 200, que chega ao fim de 30 anos e consegue acumular ali 200 mil, coisa que valha. Pelo menos metade desse dinheiro há-de vir de rentabilidade. E no final, aquilo que é o imposto subjacente é muito mais baixo do que em qualquer aplicação. Agora, se alguém faz este esforço de poupança e chega ao final, tem lá menos do que aquilo que poupou, não faz sentido nenhum. Não faz sentido nenhum porque perdeu poder de compra, porque perdeu valor.